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Revolução Constitucionalista de 1932



São Paulo pega em armas: a Revolução Constitucionalista de 1932

A Revolução Constitucionalista de 1932, foi, sem dúvida um dos mais importantes e dramáticos acontecimentos da história republicana brasileira. Expressão da insatisfação dos paulistas com a Revolução de 1930, o movimento serviu, antes de mais nada, para convencer o Governo Provisório de Getúlio Vargas da necessidade de pôr fim ao caráter discricionário do regime sob o qual vivia o país. Isto só aconteceria quando a constituição de 1890, tornada sem efeito, fosse substituída por outra

Mas por quê a decisão de pegar em armas?

Se o Partido Republicano Paulista (PRP) congregava as forças conservadoras do estado, por outro lado, o Partido Democrático de São Paulo desde o início se envolveu com a campanha da Aliança Liberal e com as articulações da Revolução de 1930. É sabido que o estado de São Paulo foi a principal base política da chamada República Velha e do sistema oligárquico por ela instaurado, ou seja, representava exatamente aquilo que o movimento de 1930 pretendia mudar.
Pode-se compreender, portanto, como seria difícil estabelecer, após a vitória da revolução, um novo equilíbrio de forças no estado. Deposto o presidente Washington Luís, e enquanto o país passava a ser governado por uma junta militar, o governo paulista foi assumido pelo comandante da 2ª Região Militar, general Hastínfilo de Moura. Nesse momento, o PD forneceu a maioria do novo secretariado. Mas, logo em seguida, Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório e, pressionado pela liderança tenentista, decidiu nomear um delegado militar para governar São Paulo, o tenente João Alberto Lins de Barros.
Ficou clara, então, a divergência entre os projetos políticos dos paulistas e dos tenentes. João Alberto governou até 13 de julho de 1931, e no período seguinte houve grande instabilidade: Plínio Barreto (paulista, civil e constitucionalista, mas fiel ao Governo Provisório e indicado por João Alberto) foi cogitado para interventor, mas desistiu; Laudo Ferreira de Camargo (também paulista e civil, apresentado como solução de compromisso, embora sem o apoio do PD e do PRP), tomou posse mas renunciou em novembro de 1931; finalmente assumiu Manuel Rabelo, que não contou com o apoio dos constitucionalistas, por ser militar e ligado aos tenentes.
Em fevereiro de 1932 a situação se agravou. O PD rompeu com Vargas e seu governo, ao mesmo tempo que se aproximaou dos antigos adversários do PRP, formando a Frente Única Paulista (FUP), que se tornou a porta-voz das reivindicações de reconstitucionalização e de autonomia administrativa para o estado de São Paulo. Mais do que isso, a FUP passou a articular, junto aos meios militares e a algumas das principais entidades de classe do patronato paulista, a preparação de um movimento armado contra o Governo Provisório.
Vargas, por seu lado, procurando contornar a situação, optou pela nomeação de Pedro de Toledo para a interventoria paulista, quase ao mesmo tempo em que apresentava o novo Código Eleitoral (ambas as medidas de fevereiro de 1932) e marcava eleições para 1933 (em maio). Esse recuo, no entanto, não conseguiu estancar a exaltação da FUP e dos paulistas em geral, apesar de o PD, a essa altura, já controlar o secretariado do novo interventor. A morte de estudantes em um confronto com forças legais acabou introduzindo no cenário político o ingrediente que faltava: mártires. Suas iniciais – Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo – passaram a designar a sociedade secreta MMDC, interessada em articular a derrubada de Vargas.
A 9 de julho de 1932 eclodiu na capital paulista a Revolução Constitucionalista, liderada pelo general Isidoro Dias Lopes, o mesmo do levante de 1924. Contando com a participação de vários remanescentes do movimento de 1930, como os militares Bertoldo Klinger e Euclides Figueiredo, a revolução contou com amplo apoio dos mais diversos segmentos das camadas médias paulistas.
Nos poucos meses de conflito, São Paulo viveu um verdadeiro esforço de guerra. Não apenas as indústrias se mobilizaram para atender às necessidades de armamentos, mas também a população se uniu na chamada Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo. Pela primeira vez buscavam-se iniciativas não apenas militares para romper o isolamento a que o estado fora submetido. Faltou, no entanto, a esperada adesão das forças mineiras e gaúchas. Os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, embora apoiassem a luta pela constitucionalização, decidiram manter-se leais ao Governo Provisório.
Isolado, o movimento fracassou. Em 1º de outubro de 1932 foi assinada a rendição que pôs fim à Revolução Constitucionalista. Enquanto os principais líderes tiveram seus direitos políticos cassados e foram deportados para Portugal, o general Valdomiro Lima – gaúcho e tio de Darcy Vargas, mulher de Getúlio – era nomeado interventor militar em São Paulo, cargo em que permaneceria até 1933.

AS FRENTES DE COMBATES 

Entre São José do Barreiro, no nordeste paulista, e Cruzeiro, no sopé da serra da Mantiqueira, fronteira com Minas Gerais, posicionou-se o grosso da tropa paulista para fazer frente às tropas que viriam do Rio de Janeiro. Na linha Jataí e Areias, posicionou-se força mista de infantaria e artilharia e sobre a ferrovia Central do Brasil, em Queluz, destacamento de infantaria e artilharia. E em outros lugares pelo Estado de São Paulo, outras tropas estabeleceram as defesas das fronteiras.
Os primeiros combates logo ocorreram. Os paulistas nas trincheiras de vanguarda de São José do Barreiro, abriram fogo contra a tropa de Getúlio que avançava na penumbra da estrada, depois de terem tomado Bananal.
Atacando pelos flancos, a infantaria paulista colocou as tropas do Getúlio em desvantagem. O combate com muitos tiros durou horas, com grandes perdas de ambos os lados. A tropa getulista não esperava encontrar paulistas aguerridos e destemidos, por isso recuou, correndo. Como as espadas que muitos deles tinham à cintura atrapalhassem a fuga, os soldados foram tirando da cintura a bainha com a espada e o cinto, largando-os por onde corriam... No amainar dos combates, já altas horas da noite, a tropa paulista, conforme já planejado, recuou para uma melhor posição, no morro Fino, enorme morro na saída de São José do Barreiro. Nas trincheiras, naquela madrugada dos primeiros combates, os soldados receberam uma garrafinha de café, uma latinha do tamanho de um ovo, de leite condensado Nestlé e um pão com bolachas...

TRÊS MESES DE COMBATES POR IDEAIS

E por três três meses, os paulistas lutaram sozinhos contra todos os outros Estados. Na retaguarda, o povo se uniu para ajudar em tudo o que fosse necessário, voluntários civis aviadores pilotando aviões, outros lutando como soldados ou como padioleiros que recolhiam feridos levando-os da frente de combate para a retaguarda, mulheres costuravam uniformes, fazendo pão ou preparando alimentação que eram enviados aos combatentes...
Durante esses três meses, uma luta desgastante de trincheiras, com sangrentos combates aconteceram em várias frentes de luta, em especial nas fronteiras paulistas com Minas Gerais e com o Rio de Janeiro, o Estado onde ficava a capital federal e a sede do governo de Getulio Vargas. 
Essa região do Vale do Paraíba foi chamada de Frente de Combates Norte, ou Frente Norte, região do Vale, no lado paulista, que engloba as cidades de Bananal, São José do Barreiro, Areias, Silveiras, Lavrinhas, Queluz, Cruzeiro, Cachoeira Paulista, Lorena, Cunha, além de Guaratinguetá e Aparecida do Norte.

DOIS EXÉRCITOS EM GUERRA, MAS EM CONTINÊNCIA À MESMA BANDEIRA

      E nessa Frente Norte de combates, na alvorada do dia 7 de setembro, um fato marcante mostrou que apesar de lutarem em lados opostos, tropas paulistas e as governistas tinham no coração um mesmo país, o Brasil. Os paulistas começaram a hastear a bandeira nacional no ponto mais alto das suas trincheiras, enquanto os clarins tocavam a saudação em continência à bandeira nacional. 
Os combatentes paulistas subiram ao topo de suas trincheiras, expondo-se ao fogo das tropas de Getulio. O tiroteio emudeceu do lado dos governistas e estes se colocaram também de pé, em cima das trincheiras. Todos os combatentes ficaram de pé, ao sol daquela manhã de 7 de setembro de 1932 enquanto a bandeira verde-amarela tremulante subia ao topo do mastro, no dia em que se comemora a independência do Brasil. Os dois exércitos adversários pararam a batalha para prestar continência ao símbolo do país pelo qual todos lutavam.

Das armas ao voto: o saldo da Revolução de 1932

Se, do ponto de vista militar, os paulistas saíram derrotados do movimento de 1932, o mesmo não se pode dizer em relação à política e à economia. São Paulo continuava a ser o principal fornecedor de divisas do país, num quadro de crise econômica mundial e de queda do preço do café no mercado internacional. Assim pressionado, o Governo Provisório manteve a política de valorização do café, comprando e retendo estoques, além de permitir o reescalonamento das dívidas dos cafeicultores e aceitar bônus de guerra como moeda legal, entre outras medidas.
Em termos políticos, o que se verificou na prática foi o fortalecimento do projeto constitucionalizante, com Vargas reativando a comissão que elaboraria o anteprojeto de Constituição e com a criação de novos partidos para concorrer às eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Estas, realizadas em maio de 1933, deram a vitória à Chapa Única por São Paulo Unido, composta por membros da FUP que haviam permanecido no país e amplamente dominada por representantes do PRP. Além disso, em agosto de 1933, São Paulo finalmente viu chegar um civil e paulista à chefia do governo do estado, com a indicação de Armando de Sales Oliveira para substituir o general Valdomiro Lima. Em 1935, Armando Sales foi eleito governador constitucional de São Paulo pela Assembléia Constituinte Estadual.

Uma guerra restrita a São Paulo

A questão democrática como a grande herança da Revolução Constitucionalista. Se os paulistas não saíram vitoriosos desse conflito que envolveu cerca de 85 mil combatentes – 55 mil das forças federais e 30 mil do exército constitucionalista – o resultado historicamente foi importante porque iniciou-se ali o processo de democratização: em maio do ano seguinte foram realizadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte e as mulheres votaram pela primeira vez. No livro, Marco Antônio Villa mostra o contexto da revolução e as tentativas fracassadas de ampliá-la a outros estados.
“Apesar de ficar restrito à São Paulo, este foi o maior conflito desde os primeiros anos da república e debater a Revolução Constitucionalista é uma necessidade histórica e política”, defende Marco Antonio Villa. “A democracia estava no centro da disputa travada em São Paulo, mas não devemos louvar a guerra. Se a tensão era política, ela não deveria ter sido resolvida no campo militar”, argumenta o historiador. Estima-se que 1.050 soldados federais e 634 constitucionalistas tenham morrido no conflito.
Pela primeira vez, a aviação foi usada em uma guerra civil brasileira. Eram 12 aviões do lado do governo federal e 6 do lado dos constitucionalistas (Unidades Aéreas Constitucionalistas - UAC). No início, os aviões eram armas de propaganda: nos dias 10 e 14 de julho, dois aviões constitucionalistas jogaram milhares de folhetos e cinco mil exemplares de A Gazeta e O Estado de S. Paulo sobre a capital federal. O mesmo fez a aviação federal em território paulista. Depois vieram os bombardeios em áreas civis, navios, fábricas e usinas elétricas.
Como em toda guerra, a primeira vítima é a verdade, e a censura foi marcante nos dois lados. Para os constitucionalistas, as manchetes eram sempre positivas – mesmo às vésperas da rendição. Por parte do governo, a censura impedia que se noticiassem manifestações contrárias a ele.
“Não podemos esquecer o que passamos durante esta guerra: a vontade de transformar o Brasil num país democrático, a coragem dos soldados e voluntários nos campos de batalha espalhados pelo interior do estado e, sobretudo, as transformações decorridas desse embate, que foi, felizmente, a última guerra brasileira. Esta é a razão de publicarmos esta obra”, diz Hubert Alquéres, presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.