Toda história é feita por imagens. Assim como toda imagem é feita com história. Imagens de quem fez e/ou não fez a história; história de quem recebeu e/ou não recebeu as imagens; Imagens de quem viu e/ou não viu a história; história de quem contou e/ou não contou as imagens; Imagens não dizem nada, mas gritam atordosamente.



A Revolução Russa



A Revolução de 1905: o "Ensaio Geral”
 
A Revolução de 1905 foi desencadeada com as derrotas russas frente ao Japão, no auge de grave depressão econômica, o que aumentou o descontentamento das diversas camadas sociais contra o Czarismo. A dispensa de operários deu motivo a uma manifestação pacifica liderada pelo padre Gapone. A manifestação foi dissolvida a bala: foi o Domingo Sangrento. O incidente deu sinal para distúrbios em toda a Rússia. Trabalhadores entra­ram em greve e por vários meses houve conflitos. No Mar Negro, os marinheiros do encouraçado Potemkim rebelaram-se. Camponeses subleva­ram-se.
As revoltas arrancaram concessões do Czar, destacando-se a legalização dos partidos políticos, a ampliação do direito de voto e a convocação de uma Assembléia Legislativa, a Duma; o governo, porém, assim que pôde, neutralizou-a.
Em 1906 reuniu-se pela primeira vez a Duma, logo dissolvida. O mesmo ocorreu com a seguinte. A lei eleitoral foi modificada para aumentar o número de representantes que apoiassem o Czar.
Mas os efeitos da Revolução foram duradouros: colocara-se em xeque o Czarismo, que perdeu a aura de sagra­do e intocável. Além disso, criou-se nova forma de organização: o Soviete (comitê ou conselho).
As tentativas governamentais de formar novas bases de apoio através das reformas do Ministro Stolypin não chegaram a produzir resultado. O próprio Stolypin foi morto por um anarquista (1911). As agitações retomaram seu vigor a partir daí.
 
As Revoluções de 1917: a tomada do poder pelos Bolchevistas
 
A entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial precipitou o processo revolucionário, pois a guerra acentuou as in­satisfações da sociedade. O pais estava despreparado para enfrentar o esforço de guerra e nenhum outro apresentava tantos contrastes sociais. Os solda­dos, mal-armados e subalimentados, foram dizimados em derrotas sucessivas. Em dois anos e meio, a Rússia perdeu 4 milhões de homens. Em outubro de 1916 a situação era insustentável e a oposição aumentou tanto no seio da nobreza e da burguesia quanto no campesinato e no proletariado. Os únicos setores beneficiados eram os ligados à indústria de guerra.
No plano político, a oposição na Duma cresceu. O Czar Nicolau II assumiu o comando do Exército, abandonando o governo ao grupo burocrático que se fechava em torno da Czarina. Esta vivia sob a influência de Rasputin, místico e charlatão, com enorme poder na Corte. A oposição acentuou-­se com as sucessivas deposições de Ministros. O Czarismo perdia todas as bases de apoio.
A Revolução de Março foi o resultado de uma série de greves e movi­mentos de massa ocorridos em Petrogrado. Os soldados recusaram-se a atacar as multidões de manifestantes, mas houve choques violentos entre a polícia e o povo. Uma parte do exército reuniu-se aos manifestantes. Os edifícios públicos foram ocupados, os Ministros e Generais detidos. Desmoronava-se o poder czarista. Constituiu-se um Governo Provisório integrado por elementos liberais da Duma; porém, o poder de fato estava com os Sovietes, controlados inicialmente pelos Menchevistas e Socialistas Revolucionários.
A Revolução não se limitara a Petrogrado, mas espalhou-se por toda a Rússia. O Czar ainda tentou uma manobra abdicando em favor de seu irmão, o Grão-Duque Miguel, que não aceitou a coroa imperial. À frente do Governo Provisório da República es­tava o Príncipe Lvov, liberal; contudo, logo se destacou Kerenski, convertido em homem forte do governo.
O período de março a novembro de 1917 caracterizou-se pela dualidade de poderes entre o Governo Provisório e o Soviete dos operários, soldados e camponeses de Petrogrado. O Governo Provisório  evidenciou sua debilidade e incapacidade em resolver as questões que haviam provocado o fim do Czarismo.
Três correntes políticas, então, se defrontavam:
1) O Partido Constitucional Democrata ou Cadete, partido da burguesia e da nobreza liberal, tornado um reduto do conservadorismo: favorável à continuação na guerra e adiando para depois quaisquer modificações sociais e econômicas;
2) Os Bolchevistas, que defendiam o confisco das grandes propriedades, o controle operário da indústria e, acima de tudo, a paz imediata com a Alemanha;
3) Os Menchevistas e Socialistas Revolucionários, que, embora contrários à guerra, não admitiam a derrota da Rússia. Em outras questões permaneciam divididos e indecisos, com o que foram perdendo prestígio político.
De minoritários, os Bolchevistas passaram a majoritários, controlando os principais Sovietes a partir de agosto-setembro. Começaram em outubro os preparativos para a insurreição. No interior do Soviete de Petrogrado, houve a constituição de um Comitê Militar para a realização da Revolução. Sob a bandeira de "Todo o Poder aos Sovietes" o movimento se desencadeou. Os principais edifícios públicos e pontos da cidade foram ocupados, o Governo Provisório foi deposto e os Bolchevistas assumiram o poder. A toma­da do poder não foi, porém, o capítulo final do processo revolucionário, mas apenas o começo: os Bolchevistas, para se manterem na direção da República Socialista Soviética, enfrentaram inúmeros problemas.
 
Da Rússia à URSS: Crise e Estabilização (1918-1928)
 
A tomada do poder pelos Bolchevistas colocou-os frente a antigos e no­vos problemas. O período 1918-1928 pode e ser dividido em três etapas: o Comunismo de Guerra (1918-1921), a Nova Política Econômica (1921-1928) e a implantação do Socialismo integral a partir de 1928.
 
A época do Comunismo de Guerra (1918-1921)
 
"Em oito dias, o Conselho dos Comissários editou uma série de medidas que transformaram a ordem antiga. Fez então conhecer seu grande desejo de paz sem anexação; decidiu suprimir a grande propriedade fundiária e confiou as terras aos 'Comitês agrários'; instituiu nas fábricas um controle operário; enfim, autorizou os povos da Rússia a disporem de si mesmos e formarem Estados independentes."
(BOUILLON, J., SORLIN, P. e RU­DEL, J., Le Monde Contemporain, n, Bordas, pág. 32.)
 
Aos poucos o novo poder se organizou, com a criação do Exército Vermelho, da Tcheca (polícia política), ocorrendo também a separação entre e Igreja e Estado, a abolição dos empréstimos contraídos durante o período czarista, a nacionalização dos bancos, das estradas de ferro, do comércio cio exterior etc. A efetivação dessas medidas dependia da força do novo governo que se apoiava no operariado das grandes cidades e no campesinato. Isto explica a urgência de se fazer a paz com a Alemanha, o que significa­ria um alívio geral para a população.
A Paz de Brest-Litovsky, assinada em março de 1918, caracterizou-se pela dureza de condições para os soviéticos, bem corno pela controvérsia que causou entre os Bolchevistas. Uma corrente, liderada por Lênin, advogava a paz a qualquer preço para salvar a Revolução na Rússia. Outra, liderada por Trotsky, pretendia continuar a guerra, dando-lhe conteúdo revolucionário. O avanço ale­mão sobre a Ucrânia e a desintegração do Exército soviético levaram à vitória a primeira corrente e a paz foi assina­da. Par ela, a República renunciava â Polônia, Ucrânia, Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia, cedia territórios à Ale­manha e à Turquia, perdia três quartos de suas minas de ferro e carvão e pagava forte indenização. A Revolução estava garantida, mas os soviéticos viam aumentadas suas dificuldades econômicas.
A oposição ao novo regime gerou sublevações, em geral lideradas por antigos oficiais czaristas. Ao mesmo tempo, os países europeus, cujas tropas eram influenciadas pelas idéias bolchevistas, viam a Revolução como uma ameaça a seus próprios regimes. Daí seu apoio às tropas dos Russos­Brancos (antibolchevistas), bem como a invasão de dezesseis exércitos estrangeiros ao território soviético. O Governo Bolchevista reagiu com a ampliação do Exército Vermelho. Contou também com o apoio das camponeses, que temiam que suas terras fossem confiscadas pelos Russos-Brancos e devolvidas à antiga aristocracia. As tropas invasoras desorganizavam-se e contra a invasão ocorreriam protestos em vários países. Esses fatos explicam a vitória do Exército Vermelho, após alguns anos de luta.
Entretanto, a vitória bolchevista só foi possível através do emprego de inúmeras medidas radicais, globalmente conhecidas sob o nome de Comunismo de Guerra. Segundo Crio Crouzet, "o seu objetivo é uma estrita regulamentação do consumo e da produção em um país cercado, mas ao mesmo tempo sua ação provoca transformações da estrutura econômica que nunca mais serão postas em xeque (...) Há, portanto, expropriação completa da grande indústria e da maior parte das peque­nas empresas; o simples controle operário previsto foi substituído pela gestão operária (...) Criam-se, então, o monopólio dos cereais pelo Estado e 'Comitês de camponeses pobres', encarregados de combater a influência política dos cultivadores abastados que animavam a resistência, bem como de confiscar os estoques dos camponeses ricos. Finalmente, começam a organizar-se propriedades agrícolas coletivas de produção e consumo, completa ou parcialmente coletivizadas, embora seu número em 1921 representasse apenas 1% de todas as explorações camponesas". (CROU­ZET, M., op. cit., t., p. 234.)
 
A NEP: busca de estabilização para o novo regime soviético
 
Ao fim da guerra civil e da invasão estrangeira, a vitória da Revolução es­tava consolidada, mas as precárias condições da economia soviética, que regredira a níveis inferiores aos de antes da Primeira Guerra Mundial, aumentou a insatisfação. Ocorreram eram levantes, entre estes destacando-se o dos marinheiros da base naval de Kronstadt.
Os camponeses sentiam-se ameaça­dos pelas requisições forçadas. O poder bolchevista enfrentava sua primeira a grande crise com as próprias forças que o apoiavam. Como conciliar o caráter socialista da Revolução com as exigências camponesas? Como manter-se no poder sem apoio desse campesinato, numericamente majoritário, no momento em que grande par­te do operariado das cidades tinha desaparecido?
A resposta a essas perguntas foi a Nova Política Econômica (NEP) defendi­da por Lênin.
Vigorando de 1921 a 1928, a NEP era uma economia mista de socialismo e capitalismo: permitiu a liberdade do comércio interno, o funcionamento de pequenas empresas industriais e o ressurgimento de propriedades rurais pertencentes aos "kulaks". Concessões foram feitas a empresas capitalistas inglesas, norte-americanas, francesas e alemãs.
"Mas, simultaneamente, o Estado conservava seu direito de propriedade sobre a terra e todos os meios de produção, controlava os transportes, os bancos, a grande indústria, o comércio externo. Havia, então, um setor privado e um setor público em concorrência." (DUROSELLE, J. B., Histoire Le Monde Contemporain, Fernand Nathan, pág. 129.)
Do ponto de vista econômico, a NEP teve balanço positivo. A produção industrial ultrapassou o nível anterior à guerra, o mesmo podendo-se afirmar em relação aos rendimentos agrícolas.
Paralelamente à NEP, observam-se transformações no plano político e institucional. A Constituição de 1918 não fora posta em prática. Uma outra surgiu e deu origem, em 1922, à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), federação cuja República mais importante era a Rússia, reunindo também a Ucrânia, Bielorrúsia, Transcaucásia e as Repúblicas da Ásia Central.
O sistema eleitoral para a escolha dos Sovietes (locais, regionais ou nacionais) favorecia os operários em detrimento dos camponeses. O poder supremo, o Congresso dos Sovietes da União, reunia-se periodicamente, designando um Comitê Central Executivo para dirigir o país nos intervalos dos congressos. O Comitê Central tinha um "Presidium" e nomeava o Conselho de Comissários do Povo (espécie de Ministros de Estado). A autoridade central tinha, portanto, muito poder; aos Estados Federados restava certa autonomia em questões como instrução, desenvolvimento da cultura local etc. A fonte de todo o poder era o Partido Comunista, minoria atuante que dava as diretrizes aos órgãos públicos.
Após a morte de Lênin cresceu a controvérsia entre a facção stalinista e os partidários de Trotsky; a divergência central dessa luta era o destino da Revolução enquanto fenômeno internacional.
Para Trotsky o caráter internacionalista da Revolução tinha como conseqüência que ela não triunfaria na Rússia se não fosse acompanhada de movimentos idênticos em "países mais adiantados". O fracasso das tentativas revolucionárias, logo após a Primeira Grande Guerra, deixara os soviéticos isolados. Para Stalin o isola­mento dos soviéticos não deveria impedir a construção do Socialismo. O Estado possuía recursos materiais e humanos para empreender a tarefa. Daí, sem renegar teoricamente o internacionalismo, defendeu a doutrina do "Socialismo em um só país", a possibilidade de construir integralmente o Socialismo dentro da URSS.
 
A Era Stalinista: Planificação e Coletivização (1928-1939)
 
A NEP recuperara a agricultura, mas a industrialização acelerada exigiria capitais, técnica, equipamentos, que a URSS não tinha.
"Foi preciso, portanto, buscar os meios indispensáveis à construção de uma indústria poderosa exclusiva­mente nos recursos internos e operar a transformação da economia em uma verdadeira autarquia. Tornou-se mis­ter, de outro lado, conduzir, a par, uma industrialização rápida e a coletivização agrícola." (CROUZET, M., op. c1 t., pág. 243.)
 
Os Planos Qüinqüenais
 
 Em 1921 fundou-se a GOSPLAN (Comissão do Conselho do Trabalho e da Defesa), órgão encarregado dos estudos para a planificação, que elaborou durante o período da NEP um "plano qüinqüenal" posto em prática a partir de 1928. Antes da Segunda Guerra Mundial, aplicaram-se integralmente dois planos. O Primeiro Plano, de 1928 a 1932, concentrou seus esforços na supressão da propriedade individual e no aumento da produção. Nas indústrias, fixou a prioridade à produção de bens de equipamento em detrimento da produção de bens de consumo.
No setor agrícola a coletivização foi mais difícil. Formaram-se dois tipos de unidades agrárias: os sovcoses, fazendas estatais em que o camponês torna-se um assalariado do Estado, e os colcoses, cooperativas de produção, onde o camponês recebe pequena parcela de terra, que explora para si.
O Segundo Plano caracterizou-se por uma planificação mais homogênea dos vários setores da economia, embora se mantivesse a prioridade dos bens de equipamento. Sua aplicação foi facilitada pela existência de maiores investimentos, pela introdução de técnicas de competição, de estímulos materiais (prêmios), pelo aprimoramento da divisão do trabalho etc.
 
A consolidação do Stalinismo
 
        No plano político, ocorreu um enrije­cimento do Partido e o fortalecimento do grupo liderado por Stalin, que o controlava. Embora o controle sobre a população se abrandasse, de vez que os movimentos antibolchevistas tinham declivado, no interior do Partido tido a cúpula se fechou, observando-se violentos expurgos e condenações de antigos líderes que discordassem das diretrizes traçadas pela direção stalinista.
 
“Entre 1933 e 1939 cerca de cinco milhões de filiados do Partido foram expurgados: quanto mais se ascendia no Partido, mais sangrento era a o expurgo. O militante de base poderia ser excluído por uma simples expulsão; mas, para qual­quer detentor de poder em qual­quer nível, o expurgo implicava trágicas conseqüências... Os expurgos abriram excelentes oportunidades de promoção rápida para aqueles que conseguiam sobreviver. Instrumento de mobilidade social que permitiu a Stalin renovar completa e periodicamente elites que lhe fossem fiéis e afina­das com a sua concepção de poder. O expurgo era a então um ele­mento chave no sistema político stalinista.
Lênin, que havia iniciado o sistema repressivo, colocara como princípio que o Partido devia ser preservado (...) Stalin suprimiu esta imunidade.”
(Carrère D'Encausse, H., Le Pouvoir Confisqué, Flamarion, Paris, 1980.)
 
O ponto culminante dos expurgos e condenações ocorreu em 1936-1937, quando, sob o pretexto de que o assassinato de Kirov (um secretário do Par­tido) fora planejado por grupos divisionistas, eliminaram-se progressivamente os opositores no Partido. Os temas políticas foram dando lugar aos temas técnicos: o Partido se burocratizou. burocratizou.
Às vésperas da Segunda Guerra a Mundial a situação da URSS tinha melhorado muito em relação à década de 1920. Externamente, apesar de apoiar os movimentos comunistas nos de­mais países através do Komintern, órgão criado em Moscou (1919), a URSS foi reconhecida por muitos países e participou de organismos internacionais, o que explica o abrandamento da "exportação da Revolução" . Entretanto, os anos 1931-1933 assistiram a uma virada diplomática mundial que afetou sua posição: no Oriente, o Japão avançou sobre e a China, na Alemanha os nazistas subiram ao poder. Em 1936 formou-se o Pacto Anti-Komintern (Japão-Alemanha-Itália).
Do ponto de vista econômico; a industrialização colocara a URSS entre as potências mundiais. Contudo, o padrão de vida de seus habitantes ficou abaixo ao dos países capitalistas desenvolvidos. A maior novidade de sua realização estava no caráter sistemático e total da intervenção do Estado na economia, predominantemente estatizada.